TRADUÇÃO DO ARTIGO DE EDMUND L GETTIER


É JUSTIFICADA UMA CRENÇA VERDADEIRA CONHECIDA?

Edmund L. Gettier
Tradução Victor Hugo

Várias tentativas têm sido feitas nos últimos anos a fim de estabelecer as condições necessárias e suficientes para qualquer conhecimento de uma dada proposição. As tentativas têm frequentemente sido tais que elas podem ser estabelecidas numa forma similar ao que se segue: 
a) S sabe que P se, e somente se:
i) P é verdadeiro,
ii) S acredita que P, e
iii) S justifica-se na crença que P.
Por exemplo, Chisholm tem assegurado que, o que segue, oferece as condições necessárias e suficientes para o conhecimento:
b) S sabe que P, se e somente se:
i) S aceita P
ii) S tem adequada evidência de P
iii) e, P é verdadeiro
Ayer tem estabelecido as condições necessárias e suficientes para o conhecimento como segue:
c) S sabe que P, se e somente se:
i) P é verdadeiro
ii) S está certo que P é verdadeiro, e
iii) S tem a certeza de estar certo que P é verdadeiro.
Eu devo argumentar que (a) é falso, pois essas condições afirmadas aí não constituem uma condição suficiente para a verdade da proposição: S sabe que P. O mesmo argumento mostrará que (b) e (c) falham em tudo se “ter adequadas evidências para” ou “ter a certeza de estar certo que” for substituído por “estar justificado por acreditar que”.
Eu devo iniciar notando dois pontos. Primeiro, naquele sentido de “justificado”, à medida que o estar justificado por acreditar que P pertencente a S é uma condição necessária do saber que P de S, é possível para uma pessoa justificar-se na crença de uma proposição que é de fato falsa. Segundo, para qualquer proposição P, se S justifica-se na crença de P, e P implica Q, e S deduz Q a partir de P e aceita Q como resultado desta dedução, então S justifica-se na crença de Q. Mantendo esses dois pontos na mente, devo agora apresentar dois casos em que as condições afirmadas em (a) são verdadeiras para alguma proposição, embora, ao mesmo tempo, é falso que a pessoa em questão conheça essa proposição.
Caso I:
Suponhamos que Smith e Jones tenham sido requeridos para um certo trabalho. E suponhamos que Smith tem fortes evidências para a proposição conjuntiva que segue:
(d) Jones é o homem que receberá o emprego e Jones tem dez moedas no seu bolso.
A evidência de Smith para (d) pode ser que o presidente da companhia assegurou-lhe que Jones deveria ser selecionado e que ele, Smith, contou as moedas no bolso de Jones há dez minutos. A proposição (d) implica que:
(e) O homem que receberá o emprego tem dez moedas no seu bolso.
Vamos supor que Smith vê a implicação de (d) para (e), e aceita (e) sobre as razões de (d), para as quais ele tem forte evidência. Neste caso, Smith está claramente justificado em acreditar que (e) é verdade.
Mas imagine, ao contrário, que desconhecia Smith que, ele mesmo e não Jones, receberia o emprego. E, ainda, desconhecia Smith que, ele mesmo tinha dez moedas em seu bolso. A proposição (e) é, então, verdadeira, embora a proposição (d), a partir do qual Smith inferiu (e) é falsa. Em outro exemplo, então, tudo o que segue é verdadeiro: (i) (e) é verdadeira, (ii) Smith acredita que (e) é verdadeira, e (iii) Smith justifica-se na crença que (e) é verdadeira. Mas é igualmente claro que Smith não sabe que (e) é verdadeira; pois (e) é verdadeira em virtude do número de moedas no bolso de Smith, enquanto que Smith não sabia quantas moedas estão no bolso de Smith e embasa sua crença em (e) sobre o número de moedas no bolso de Jones, quem ele falsamente acredita ser o homem que receberá o emprego.
Caso II
Vamos supor que Smith tem forte evidência para o que segue:
(f) Jones possui um Ford.
A evidência de Smith pode ser que Jones tenha, a todo tempo na memória passada de Smith, possuído um carro, e sempre um Ford, e que Jones tenha apenas oferecido a Smith um carona enquanto dirigia um Ford. Imaginemos agora que Smith tenha outro amigo, Brown, cujo paradeiro é desconhecido. Smith seleciona três nomes de lugares de modo bem aleatório e constrói as seguintes proposições:
(g) Ou Jones tem um Ford ou Brown está em Boston;
(h) Ou Jones possui um Ford, ou Brown está em Barcelona;
(i) Ou Jonhes tem um Ford ou Brown está em Brest-Litovsk
Cada uma dessas proposições está implicada (f). Imagine que Smith realiza a implicação de cada uma dessas proposições que ele construiu a partir de (f) e procede em aceitar (g), (h) e (i) sobre a base de (f). Smith tem corretamente inferido (g), (h) e (i) a partir de uma proposição para o qual ele tem forte evidência. Smith é, portanto, completamente justificado em acreditar em cada uma dessas proposições. Smith, é claro, não tem ideia onde Brown está.
Mas imagine agora essas duas condições. Primeiro, Jones não tem propriamente um Ford, mas está, no presente momento, dirigindo um carro alugado. E segundo, por coincidência e desconhecimento de Smith, o lugar mencionado na proposição (h) realmente corresponde ao lugar que Brown está. Se essas duas condições mostram que Smith não sabe que (h) é verdadeira, mesmo que (i) (h) é verdade, (ii) Smith não acredita que (h) é verdade e (iii) Smith justifica-se na crença que (h) é verdadeira. Esses dois exemplos mostram que a definição (a) não afirma uma condição suficiente para o conhecimento de uma dada proposição.  Os mesmos casos, com apropriadas mudanças, são suficientes mostrar que nem definição (b) nem definição (c) satisfazem.


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